sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

LENDAS NA HISTÓRIA

(Guilherme de Melo Sarmento Filho)

Reza uma das várias lendas sobre a Atlântida que a monumental cidade pagou com a própria existência a soberba intransigente de ter alcançado níveis extremos de avanço tecnológico, tornando-se demasiadamente materialista e displicente com as questões espirituais pelas quais seus ancestrais fundamentaram uma elevada moral e domínio metafísico através do equilíbrio com a natureza e o cosmo sideral. Seus habitantes passaram então a viver em função dos prazeres carnais e das facilidades materiais que a tecnologia e a ciência pudessem lhes oferecer, negligenciando cada vez mais as cerimônias e rituais que os religavam com o que acreditavam antes ser o Um universal. A resposta do Deus então teria sido sepultar de uma vez por todas (diz a lenda que foram três catástrofes) a cintilante cidade no fundo escuro e frio dos mares. A lição dos que, prevendo o desastre, migraram para outras regiões formando as civilizações egípcia, celta e maia foi a de exercer um controle bem mais rígido na disseminação da sua sabedoria científica. Desse modo, os egípcios criaram as "Escolas de Mistérios" e os celtas optaram por não desenvolverem-se muito materialmente, camuflando os seus saberes nas roupas da mágica.

Mais ou menos 20.000 anos depois, na era da cultura digital, onde o tempo é pautado pela exposição midiática no sentido da apoteose dos valores materiais e a contemplação do espaço e da vida sede, irresistivelmente, lugar à uma psiquê geral dissociada dos problemas úteis da existência, vegetando indeterminadamente no sonho colorido da TV que esmera na satisfação dos prazeres fugazes dos sentidos, a relação com a religação espiritual histórica da humanidade é construída de forma superficial, apática e até mesmo desconfiada ou desacreditada.

Reza a lenda bíblica que Jesus (Matheus, Cap.21), ao se deparar com a comercialização de um templo destinado ao culto da fé, tomado de cólera, expulsou os mercadores daquele espaço afirmando que ali era "uma casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões".

Mais ou menos 2.000 anos depois nos preparamos para comemorar mais um dia de natal. A lembrança, historicamente destinada para a celebração do nascimento de Jesus, hoje praticamente está institucionalizada como mais uma dentre as centenas de datas-festas do ano, destinada ao ponto facultativo lazer e ao consumo frenético de comida e mercadorias de manutenção do sistema. A contradição está justamente em uma sociedade que abre a boca e bate no peito para dizer que é cristã e que faz o uso ideológico do imaginário cristão para se colocar culturalmente como herdeira da civilização diante do "outro", os povos "bárbaros" do oriente. Jesus deve estar se revirando no seu trono astral. "Nunca na história" uma sociedade esteve tão perto  dos Atlantis de milênios atrás. E aqui cabe a pergunta: Nosso destino será o mesmo?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Ensinando a aprender, aprendendo a educar : Um pequeno olhar sobre as reflexões de Jean Piaget por Marcos Arêas Coimbra.


A teoria de Piaget busca compreender as etapas do desenvolvimento humano. Na realidade existem diferentes formulações sobre o assunto, sendo o trabalho deste autor um dos mais celebres, possuindo grande importância pelas suas conclusões na área da Educação.
O foco da teoria se dá em determinar as estruturas do desenvolvimento do indivíduo em suas diferentes fases de crescimento. Mesmo que estas não sejam regras absolutas para todos os seres humanos, pela observação constante e através de estudos com rigor científico, Piaget conseguiu montar um esquema geral em etapas.
Caso o pesquisador, ou o pensador, consiga captar estas estruturas gerais, estará mais preparado para compreender as capacidades, limites e necessidades de cada faixa etária, formulando planos de ensino, digamos, métodos educativos e outras práticas condizentes com o desenvolvimento do seu público alvo.
No entendimento das estruturas e dos casos individuais há alguns fatores que influenciam a análise. Estes aspectos estão sempre em interação, constantemente afetando o crescimento das capacidades humanas.
A hereditariedade é um aspecto quase a priori, já que a conformação genética do indivíduo está em sua composição de modo potencial desde seu nascimento. Caso ocorram as condições necessárias para estas potencialidades tornarem-se atos concretos, o desenvolvimento da inteligência potencial estará praticamente garantida.
O crescimento orgânico é outro aspecto fundamental. A formação da estrutura óssea da criança, seu crescimento, o aumento de sua sensibilidade etc, são condições para que o indivíduo seja capaz de usufruir de todo o seu potencial. Uma criança saudável, por exemplo, terá o seu momento de descoberta da fala e do andar, de modo que possa continuar o desenvolvimento de outras competências ou etapas. Já uma que possua limitações neste sentido seguirá um outro rumo, necessitando de todo um outro aprendizado, como para os surdos a linguagem de sinais, que também é uma opção bastante razoável e válida.
A maturação neurofisiológica torna possível o aprendizado. Conforme a pessoa cresce ela desenvolve capacidades intelectivas que vão sendo moldadas na conformidade de seu aprendizado. Naturalmente, tal como o lado puramente físico, seu desenvolvimento fica condicionado às suas potencialidades e à sua constituição natural. Dentro dos padrões gerais há períodos pré-determinados para a alfabetização e assim por diante em outros casos.
O meio seria o último fator, que, como dissemos, agindo de modo concorrente com os outros, influência e estimula o desenvolvimento. Aqui podemos perceber o papel crucial da educação na vida de um indivíduo, pois será na interação com outros indivíduos e com seu meio que a pessoa aprenderá regras de convivência, práticas sociais, e, sobretudo, atividades e aptidões em conformidade com sua competência. A fala de uma criança é conduzida profundamente pelo seu meio. Isto fica bastante evidente quando a criança entra em uma creche, ou vai para a escolinha, pois o seu desenvolvimento da fala e o repertório de palavras aumenta de modo a surpreender os pais.
Ao lado destes fatores internos do indivíduo, existem aspectos próprios do desenvolvimento humano que o condicionarão com a mesma intensidade.
Inicialmente os pesquisadores fazem referência ao aspecto físico-motor. Ou seja, conforme uma pessoa cresce ela vai adquirindo capacidades motoras, por exemplo, que a permitem tomar consciência - ou ser capazes - de novas práticas e intervenções no mundo externo. O exemplo da possibilidade de levar a mamadeira à boca é bastante representativo e ilustra com clareza este processo.
O aspecto intelectual é igualmente importante. O raciocínio, a habilidade de formular pensamento abstrato, é outro aspecto que estará determinando profundamente vida da pessoa. Aos poucos uma criança vai sendo capaz de criar relações de causalidade que a permite encontrar soluções para problemas, mesmo que para um adulto seja uma solução incabível ou perigosa. É o exemplo da criança que puxa a toalha da mesa para alcançar a lata de biscoitos. Ela tem um objetivo bastante legítimo, alcançar o biscoito, que está condizente com sua aptidão intelectual. O aprendizado das consequências é exatamente o fruto da maturação da capacidade intelectual associado ao aprendizado da experiência individual.
O aspecto afetivo-emocional e´ a sensibilidade. Diz respeito ao modo como o indivíduo responde à questões como a sua sexualidade, a nudez, o amor, o medo, a alegria, etc. A integração destes elementos formam a sensibilidade do indivíduo, que também está sempre influindo em suas escolhas e seu modo de ser.
Por fim o aspecto social, ou seja, o conjunto das ações e reações da pessoa diante de estímulos externos, como, por exemplo, sua interação com os amigos de classe em sua escola. Muito do modo como a criança é tratada em seu primeiros anos pode gerar questões e conflitos internos responsáveis por atitudes que somente serão compreendidas em suas razões e averiguado este passado social.
Os aspectos acima mencionados estão em constante interação e são indissociáveis. Diferentes abordagens psicológicas podem atribuir maior ou menor valor e atenção a algum deles. A psicanálise estaria mais afeita ao lado afetivo, às questões da sexualidade, já Piaget orienta-se com mais atenção pelo viés intelectual.
Piaget, então, formulará uma teoria do desenvolvimento humano focada em quatro períodos fundamentais, responsáveis por um panorama do desenvolvimento global do indivíduo. O primeiro (0 a 2 anos) é o período sensório-motor onde o que prevalece são os aspectos da vida mental condizentes com atos de reflexo.
O segundo momento (2 a 7 anos) é o pré-operatório em que a linguagem tem maior destaque. O terceiro é o das operações concretas (7 a 12 anos). Aqui é a capacidade de orientação de uma ação mental ou física a um objetivo e a sua reversão que constitui o foco de análise. Enfim o quarto momento (12 em diante) onde há a passagem do pensamento concreto para o abstrato.
Através do aprofundamento da pesquisa destes diversos momentos, que infelizmente não pode ser feito aqui, Piaget construiu um imenso e válido aparato teórico que até hoje auxilia tanto psicólogos e educadores em todo o mundo.

Os agentes da História - parte1: Truman, Castro e Gorbachev no tabuleiro da Guerra Fria por Marcos Arêas Coimbra

Pensar o papel de Truman, Castro e Gorbachev na Guerra Fria é um interessante exercício para analisar algumas linhas gerais dos diferentes períodos da Guerra Fria.
Truman foi presidente dos EUA logo no início do período posterior à II Guerra Mundial e viveu momentos decisivos para a configuração do quadro político e estratégico das relações entre as duas nascentes superpotências hegemônicas. Isto porque a URSS dirigida por Stalin avançava em seu programa de dominar os países do leste Europeu, formando uma ampla zona de controle e influência, demonstrando que o internacionalismo inerente ao pensamento marxista, para Stalin, não era apenas um programa de solidariedade entre as massas proletárias, mas uma política de Estado, com nítidos traços imperialistas, e que não pararia até que alguma medida fosse tomada.
Os EUA, apesar de seu discurso de conotações liberais e democráticas, também pensavam em expandir ao máximo sua influência, que na realidade estava em consonância com sua postura capitalista de expansão de mercado, facilmente percebida na chamada Doutrina Truman. Este ato político expressa bem a tensão que se configurava, pois os soviéticos, após a explodir, com sucesso, a sua primeira bomba nuclear, tornavam possível uma guerra de proporções catastróficas inimagináveis.
Para Truman os EUA seriam responsáveis pela manutenção e ampliação da democracia no mundo, como um espécie de polícia mundial, proibindo o avanço do regime comunista que para o discurso ideológico norte-americano representava uma ditadura de horrendas consequências para os povos dominados.
Naturalmente que esta postura batia de frente com o avanço do comunismo no mundo, basta lembrarmos que outros processos revolucionários estavam em curso como o da China. Um ato bastante eficaz e de considerável sucesso para a política dos EUA, foi o Plano Marshall, onde a Europa ocidental seria reconstruída com maciço apoio financeiro americano e acabaria por ser tornar um aliado incondicional e parceiro econômico, onde os EUA poderiam vender seus produtos manufaturados com um verdadeiro caráter monopolista.
As tensões entre as duas potências foram crescendo, a Guerra Fria tomando cada vez mais um caráter bélico, até que Fidel Castro assume o poder em Cuba, derrubando o infame ditador Batista e implementando um regime socialista. Ocorre que os EUA tentaram invadir a ilha e não tiveram sucesso, embargando então o regime cubano com uma proibição de transações econômicas que praticamente não deixaram outra opção, ao já socialista Castro, que senão aliar-se aos soviéticos. Estes então passaram a subsidiar o regime cubano e ter uma zona de profunda influência no "quintal" norte-americano.
O momento de maior crise foi quando os EUA descobriram que os comunistas soviéticos estavam implantando bases de mísseis nucleares em Cuba. Isto gerou uma enorme crise e um estado de alerta que quase levou a uma hecatombe atômica.
Percebendo o absurdo da situação, soviéticos e americanos acabaram por firmar um acordo, acordo este que acabou por determinar uma nova etapa na Guerra Fria, a chamada Détente, onde os dois países passaram a buscar maiores entendimentos, compreendendo que um embate entre os dois acabaria em extermínio de suas civilizações em função do poderio militar montado por ambos. Acordos como o SALT I e II, são emblemáticos exemplos desta tentativa de apaziguamento relativo.
Contudo a situação piorará novamente após 1979, sobretudo com os posicionamentos políticos do conservador Ronald Reagan. A malfadada invasão soviética do Afeganistão gerou um impacto político bastante negativo e os EUA retomaram a corrida armamentista, agora com feições megalomaníacas como o programa " Guerra nas Estrelas".
Após a morte de Brejnev e de seus sucessores, homens já idosos, que não governaram mais de poucos anos, sobe ao poder Gorbachev, político de uma geração que possuía uma formação mais ampla, posterior a Stalin e, portanto, com uma capacidade perceptiva maior dos reais problemas da URSS. No entendimento deste político somente um processo amplo de renovação econômica, a Perestroika, e política, a Glasnost seriam capazes de salvar a União Soviética de seu atraso, atraso este que era escondido devido às proibições de qualquer informação dos problemas reais do império comunista soviético.
O projeto não conseguiu atingir seus objetivos e as dificuldades enfrentadas pelo regime chegaria a um ponto em que a sua manutenção tornava-se insustentável. No final das contas a URSS chega ao seu desmantelamento em 1991. O sonho do socialismo caia com a queda do socialismo real e Gorbachev perderia a sua luta por uma opção mitigada que salvasse o comunismo, reformando-o por dentro.

O imperialismo pode cair? : Vietnã e Afeganistão - Dois Estudos de Caso por Marcos Arêas Coimbra.

As guerras do Vietnã e do Afeganistão são marcantes na história do século XX, e enquanto eventos da chamada Guerra Fria, devido ao fato de que as duas superpotências implicadas no processo bélico, e que repartiam a hegemonia e o controle do poder mundial, foram derrotadas por forças bem inferiores se olharmos superficialmente ambos os fenômenos.
A guerra do Vietnã ocorreu em um período onde as tensões estavam de certo modo controladas, no sentido de uma grande guerra de proporções nucleares entre as duas potências, mas acarretou uma enorme repercussão e teve influência marcante nas estruturas tanto internas dos EUA, como na repartição do poder em nível mundial.
O Vietnã era um país sem expressão no balanço do poder mundial, mas quando o seu território acabou dividido em dois, ficando o norte sob o comando de um regime comunista auxiliado pela URSS, invadindo o sul posteriormente, acabou por entrar para a história como um dos mais célebres conflitos do século passado.
Isto porque o sul não compartilhava os ideais do norte, preferindo continuar uma economia liberal e passou a apresentar resistência armada ao norte. Com o avanço deste último as atenções do ocidente capitalista foram alarmadas, sobretudo pelo risco de uma proliferação para todo o sudeste asiático da influência comunista.
Deste modo os EUA enviaram tropas, que chegaram a quase meio milhão de soldados no final da guerra para apoiar o sul. A política militar americana foi altamente agressiva com o uso de explosivos e armas químicas, sobretudo em alvos civis. Apesar do argumento ideológico da luta contra o terror comunista ainda ser um fundamento ideológico de legitimidade bastante forte, as cenas transmitidas para todo o mundo iniciaram um processo de contestação mordaz das razões e causas da guerra. Cabe ressaltar que a própria sociedade norte-americana passava a suspeitar da validade do conflito, em função das numeráveis baixa de jovens americanos.
O povo vietnamita não se rendeu, e o partido comunista, liderado por Ho Chi Min, do norte usou a tática de guerra de guerrilha aproveitando o terreno bastante difícil para o exército americano.
Conforme as ofensivas americanas cada vez mais cruéis não impediam o avanço do norte vietcongue, ou ao menos não conseguiam dar cabo das pesadas perdas de soldados, a situação pesara até que o governo do presidente Nixon foi obrigado a negociar com o norte. Os bombardeios continuaram mas a derrota se configurava cada vez mais clara no horizonte. Para a batalha ideológica da dicotomia inerente à Guerra Fria, o saldo tornava-se cada vez mais deficitário para os EUA. Destarte, admitindo os erros de logística e cálculo, pois esperavam um conflito rápido e eficiente, os norte-americanos retiraram sua tropas deixando o sul a mercê da invasão comunista e a implantação de um regime coligado aos soviéticos.
O caso do Afeganistão não é de todo diferente se aceitarmos um olhar mais amplo. O Afeganistão sofreu um golpe militar e teve a sua monarquia islâmica derrubada por um grupo ligado ao ideal marxista e simpático aos soviéticos.
Ocorre que uma resistência foi organizada por partidários islâmicos que iniciaram uma guerrilha, também fazendo jus do difícil terreno montanhoso do país. Prevendo a possível complicação do cenário e de olho nas riquezas naturais afegãs a URSS invadiu o país fronteiriço acreditando em uma rápida vitória.
Contudo, com apoio dos EUA, que entendiam que este ato representava um movimento expansionista claro dos soviéticos, passaram a apoiar os rebeldes com o envio de armas e mísseis. A invasão acabou se tornando um pesado fardo para os comunistas que já estavam enfraquecidos economicamente e demonstravam a ineficiência de seu regime.
Por fim os soviéticos acabaram por aceitar a derrota e retiraram as suas tropas antes que o estrago para a sua "imagem" ficasse ainda maior.
Diante de todo o exposto podemos perceber que ambos os conflitos foram marcados por uma má compreensão das dificuldades do projeto de invasão e da necessidade de uma melhor organização da logística militar, por parte das duas superpotências, e por uma participação das mesma, mediante sobretudo apoio material às partes beligerantes, evitando assim que um conflito direto entre os dois blocos acabassem por utilizar seus arsenais militares.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Para uma Psicologia histórico-social e a construção de um novo mundo: um olhar sobre a obra de Vigotski por Marcos Arêas Coimbra.

A teoria psicológica produzida por Vigotski é denominada de corrente histórico-social. Tal teoria da psicologia foi desenvolvida durante o regime comunista soviético e calcada nos pressupostos do pensamento marxista. Neste sentido é um saber que se apropria de noções fundamentais para o marxismo como o materialismo histórico e a dialética.
Para compreendermos a teoria deste autor, e de seus seguidores, parece fundamental pensá-la em contraste com uma abordagem liberal da psicologia humana, em que o individualismo prevalece na análise das relações subjetivas e sociais. Na realidade a base ontológica do ser na teoria liberal prescinde em sua essência de toda e qualquer relação social, posto que o sujeito será analisado sob o signo de sua particularidade absoluta. Este pensamento tem nítidas bases nas colocações iluministas de Locke e outros autores que entendiam que o indivíduo era determinado em seu mais profundo "eu" por uma constituição inata.
Na abordagem histórico-social o Homem e sua consciência é fruto das relações sociais e do processo histórico por que passam e se desenvolvem todas as sociedades ou grupos humanos. As atividades humanas em busca da satisfação de suas necessidades biológicas geram todo um modo de produção que será nuclear no momento em que as representações individuais se consolidarem. Ao trabalhar o Homem transforma a natureza e através do produto desta transformação, os significados e a própria realidade será moldada de maneira que produzirá uma cultura específica.
O desenvolvimento constante desta transformação social será fruto, ou gerará, uma mudança na realidade que terá por escopo o processo histórico da humanidade. Deste modo cada indivíduo deve ser analisado em conformidade com o seu tempo, pois em função de uma dialética inerente ao desenrolar da história, cada período deste processo demonstrará diferentes formas de ser e, portanto, designará um modo de viver e pensar específico.
A aprendizagem do sujeito será parte de um todo, em que o trabalho é essencial para determinar a posição social do indivíduo. Ao interagir com o mundo o ser absorve os padrões culturais de seu tempo, e, sobretudo, a linguagem, ferramenta inerente ao ato de pensar. E como a linguagem é um fenômeno social e histórico, está inserida no processo de constituição e materialização da realidade específica. Assim a linguagem é produto e produtor dos sentidos e significados específicos, que absorvidos pelo sujeito, em uma dialética, tratarão de calcar a vida interior do mesmo. Trocando em miúdos: o sujeito sofre ação da cultura ao mesmo tempo em que nela age.
A psicologia de Vigotski considera o Homem enquanto ser concreto, fazendo jus ao seu substrato marxista. Assim a consciência e a constituição do ser deve ser desvendada no âmbito das relações sociais nas quais o indivíduo vive e interage. Este é um ponto bastante interessante pois requer do psicólogo uma análise que vá muito além do estudo de questões internas como o passado daquela pessoa em particular ou que acredite que todo homem possui uma estrutura a priori. Este profissional deverá fazer uso da interdisciplinaridade para que consiga mapear as determinações daquele tempo em particular - do tempo do indivíduo.
Ora , se é desvendando as relações sociais do mundo em que vive o sujeito que o profissional consegue compreender as necessidades e as atitudes tomadas pelo mesmo para satisfazê-las, necessariamente um conhecimento prévio sociológico e histórico será fundamental.
A subjetividade individual é um amálgama da existência interna e externa do homem. Pois conforme atua na realidade, moldando esta ao agir sobre ela, ele também é tocado pela mesma, atingindo o subjetivo. As dimensões da subjetividade se integram e desintegram em um processo de interdependência mútua.
Quando vivemos em sociedade estamos todo o tempo agindo de maneira a responder a estímulos externos que são condicionados historicamente, mas isso não quer dizer que somos passivos, mas pelo contrário, Vigotski é inovador exatamente por entender que a atividade do indivíduo, de modo dialético, é transformadora.
Nossos desejos, necessidades, dissabores, conquistas estão tão inseridas em um contexto mais amplo que não somos capazes de afirmar a nossa subjetividade senão em sociedade. Enquanto ser social o mundo passa a ser espaço de realização e não de frustração.
Porém, há que entender que os desejos em um sistema capitalista são dirigidos por um projeto consumista.
A teoria de Vigotski foi pensada sob um regime que entendia o Homem como atuante em uma sociedade que primava pelo coletivo e talvez por isso não se preocupou tanto com a manipulação típica das sociedades de massa, onde uma transformação da vida em algo mercantilizado faz, ou busca fazer, do sujeito mais um consumidor autômato do que um cidadão livre e consciente. Na sociedade liberal, e este é o ponto irônico da questão, a liberdade é parte de um projeto escravocrata, no sentido amplo do termo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma Breve Introdução à História da Psicologia por Marcos Arêas Coimbra


A psicologia, como todas as ciências, possui uma historicidade, ou seja, nasce e evolui conforme a humanidade se desenvolve. Seu corpo de idéias e seus conceitos acompanham este movimento, em consonância com os valores estabelecidos pela mentalidade coletiva e social preponderante.

A análise da história deste saber é um labor que descortina aos poucos seus conteúdos inerentes e perfaz a tentativa do estudioso, mesmo que no caso presente de maneira superficial mas não menos entusiasmada, de compreender seus mecanismos de atuação.

O primeiro ponto que devemos atentar é a diferença que há entre um conjunto de conceitos específicos, atuando em função de uma epistemologia própria, denominado hoje como científicos, e um saber que costuma-se nomear de senso comum, ou formado por este último.

Na realidade a idéia de uma psicologia científica, com um nicho particular e privilegiado de atuação, separando os profissionais da área dos demais, está inserida na ideologia, formada com muita força após o século XIX, de que é possível ao homem estabelecer relações com o mundo exterior baseadas em faculdades, ou capacidades, mentais fornecedoras de descobertas de um sentido implícito na natureza das coisas ou do mundo.

O senso comum atua sem método. É uma coleção de experiências próprias do existir no mundo presente, geralmente capaz de formar uma teia de provérbios ou estórias, que em última instância busca explicar e amparar dúvidas da existência em si, angústias sentidas desde tempos imemoriais pela humanidade quando deparada com perguntas para as quais não há respostas imediatas. Todas as civilizações e sociedades formulam ou formularam grandes coletâneas de mitos e lendas cujo objetivo geralmente é o mesmo - dar conta do infinito e do Tempo que "se move" à revelia desta mesma humanidade.

De certo modo devemos fazer uma ressalva aqui. Chamamos de mito e lendas os saberes "não científicos" geralmente com o intuito de diminuí-los, de colocá-los em uma posição ideológica inferior, mais fraca, processo que está inserido em um grande jogo de poder, em que as armas são o próprio estatuto de "verdade absoluta". Como mostrou-nos Foucault e outros, se fizermos uma "arqueologia dos saberes", chegaremos à conclusão de que nenhum deles conseguirá ser absolutamente exato, como querem os defensores do cientificismo absoluto.

Destarte, para começar a entender a psicologia enquanto saber construído, devemos tecer um breve olhar sob a história e do processo de produção do que se costuma chamar assim. No caso deste texto iremos da Antiguidade até Freud. Atentemos que três correntes da psicologia dita científica mereceram mais destaque, o Behaviorismo, a Gestalt, e a Psicanálise.

Desde a Antiguidade, sobretudo com os filósofos gregos, marcadamente Platão e Aristóteles, pergunta-se o que está por detrás do corpo físico, o que é esta força invisível que anima a alma. A própria idéia de alma é fruto deste questionamento, definindo-a Platão como algo desprendido do corpo físico, uma realidade abstrata que permanece após o perecimento da existência terrena. Para Platão há um "mundo" supraterreno, onde as coisas vivem em, sua essência, uma existência que não está fadada aos falsos efeitos da contingência da realidade física.

Já para Aristóteles, o foco de análise muda de posição, como muito bem podemos ver no quadro do pintor da renascença, pois se Platão aponta para o alto, Aristóteles direciona o seu pensamento para as coisas terrenas, para a Natureza.

Na filosofia deste autor o labor filosófico deve orientar-se em direção à descoberta dos segredos ocultos da existência através de uma minuciosa - e se possível "sistemática" - pesquisa do mundo natural e humano, compreendendo que as verdades estão inseridas na própria configuração da criação do planeta.

Assim o autor grego irá iniciar uma nova corrente metodológica. Se no pensamento platônico a especulação metafísica e as análise de discursos abstratos serão privilegiados, recorrendo mesmo muitas vezes ao mito para exemplificar seus pontos de vista filosóficos, no caso aristotélico a verdade está em uma "ciência" da natureza. Neste sentido a psicologia implícita no seu pensamento irá posicionar a alma dentro do corpo, e não fora em um mundo supraterreno. O que nos interessa efetivamente aqui é chamar a atenção para o fato de que este antagonismo epistemológico será uma constante durante todo o desenvolvimento do pensamento ocidental.

Na Idade Média a discussão será pautada por uma mescla deste antagonismo com a presença da narrativa bíblica. Os dois autores mais citados são Santo Agostinho como representante de uma visão neoplatônica cristianizada da alma, ou seja: a alma é algo que transcende o corpo físico e foi criada por Deus para animar os seres humanos que, por sua vez foram criados a sua semelhança. A idéia por trás deste pensamento era a de salvação, ou seja, a constituição da psicologia do homem era determinada pela rigorosa observância dos mandamentos morais e todo desvio era devido ao pecado ou às investidas do Diabo.

Com o advento da escolástica, teremos a redescoberta de Aristóteles, que sob a pena de Tomás de Aquino
somos capazes de enxergar o processo de volta e busca dos fundamentos ontológicos e psicológicos na própria terra, na própria criação. A escolástica, episódio do pensamento ocidental que se fortalece sobretudo no século XIII, iniciará o grande caminho de cunhagem de uma autonomia filosófica, que em função do prestígio e, quando necessário, da repressão da Igreja, será forçada a tomar o dogma religioso como parâmetro antes de qualquer especulação mais aprimorada.

As idéias a partir de então vão ganhando complexidade , uma batalha "campal" será definitivamente travada no âmbito do conhecimento até que haverá a desconexão final da filosofia do dogma. E com isto a noção - principalmente após o advento do cogito cartesiano- de que um método puro, claro e exato, é condição sine qua non para o alcance das verdades absolutas, ganhará uma força crescente até o chamado método positivista.

Aqui, as especulações metafísicas perderão quase todo o espaço para um cientificismo. A psicologia, enquanto saber autônomo, conhecerá enorme crescimento. Como havia uma espécie de obrigatoriedade de rigor necessário para que um saber se considerasse "científico", que as conclusões observadas pudessem ser repetidas em um ambiente controlado, pesquisas no campo da psicologia se voltaram fortemente para a formação de grandes laboratórios no seio das universidades, buscando entender o funcionamento da mente humana.

Na Alemanha principalmente veremos em meados do século dezenove experimentos voltados para a compreensão da fisiologia do sistema nervoso. Entendia-se que todo mecanismo mental do ser humano, seja racional seja afetivo, era reflexo de um funcionamento orgânico do cérebro e seus componentes.

Neste diapasão surgiu o Behaviorismo, primeiro grande passo efetivo no sentido de sistematizar um conhecimento próprio da psicologia científica, ou seja, ela própria enquanto saber se auto determinando, por possuir agora um método seu por excelência.

Este método consistia na prática de experimentos controlados em laboratório, sob o paradigma da função estímulo-resposta. Sob nossos olhos de homens do século XXI, pode parecer uma tentativa inocente e pueril, mas para a época foi um grande avanço. A famosa experiência com ratos de laboratório, que eram forçados a "apreender" certos comportamentos para alcançar respostas, como um pouco de água após acionar uma pequena alavanca, foi um grande avanço para entender como a mente humana se constitui e constrói a partir de relações do meio em que vive.

O segundo grande avanço se deu com a Gestalt. Este grupo de pensadores questionaram o mecanicismo metodológico da doutrina acima. Para estes há que levar em consideração a intervenção da consciência indivudual na percepção dos eventos pesquisados, determinado assim uma grande singularidade para cada experiência humana. A noção de indivíduo é considerada, não como um empecilho ou algo que desconfigurará o cunho científico da psicologia, mas pelo contrário, caso não seja observada, criará desvios e até mesmo engessará o desenvolvimento deste saber.

Apesar de que a noção de percepção ainda está muito ligada aos métodos experimentais de laboratório, a introdução desta variável foi fundamental para o avanço da psicologia. Muitas das suas descobertas no campo da percepção sensorial são válidas até hoje, sendo usadas sobretudo na análise crítica de obras de arte e arquitetura.

Ao lado, ou para além, de todo este desenvolvimento, está o grande divisor de águas do pensamento, não apenas psicológico, mas humano do século XX. A obra de Sigmund Freud. Este pensador será responsável por um salto enorme no modo como se entende a constituição do ser humano como um todo. E o mais interessante e apaixonante está, a nosso ver, na maneira inaudita como pesquisou e deu corpo ao seu trabalho. A sua vida e suas descobertas não podem ser destacadas uma da outra, o que já prenuncia a revolução que trás consigo.

Freud percebeu que há algo na constituição da mente humana diverso e mais complexo que os circuitos neurofisiológicos. Através do contato com outros estudiosos, como Josef Breuer, foi capaz de participar de sessões de hipnose em que o paciente, ao entrar em estado hipnótico, revelava idéias e emoções reprimidas que causavam efeitos corporais ou psíquicos, sugerindo portanto que há um espaço na mente humana que não é acessível ao estudioso de maneira puramente racional, consciente.

Com base nestas descobertas Freud irá construir um grande conjunto de métodos com vistas à ter acesso ao que chamará de inconsciente, como interpretando sonhos, pela mera conversa com o paciente reveladora de idéias e sentimentos reprimidos, pela postura e movimento corporal, etc. O mais importante é que obrigará ao conhecimento científico, ao saber humano, a levar em consideração as implicações de uma descoberta desta magnitude. O ser humano passará a ser analisado e entendido como algo muito mais complexo, e o seu conhecimento obrigará o cientista a esforços muito maiores que a simples coleção de dados ojetivos passíveis de repetição em laboratório.

A conformação da personalidade do indivíduo, vasto universo singular, deve ser pesquisado desde seus primeiros anos de vida. O conceito de complexo de Édipo, id, ego, e superego, são demonstrações do aprimoramento deste grande conjunto de descobertas e formulações teóricas que o pensador vienense constrói durante a sua própria prática enquanto psicanalista. O que vale como método é a interpretação de cada universo particular compreendido no todo que perfaz a constituição psico-afetiva de um indivíduo, em sua mais profunda singularidade.

Terminamos esta breve exposição com uma pequena passagem de Ana Bock sobre as aplicações e o caráter social da psicanálise, muito importante, acreditamos, para todo ser humano, ser social por natureza:
" A característica essencial do trabalho psicanalítico é o deciframento do inconsciente e a integração de seus conteúdos na consciência. Isto porque são estes conteúdos desconhecidos e inconscientes que determinam, em grande parte,a conduta dos homens e dos grupos - as dificuldades para viver,o mal-estar, o sofrimento.
A finalidade deste trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições."

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A ascensão do REI e A consolidação da Monarquia - Um breve olhar por Marcos Arêas Coimbra.

A monarquia, tendo o rei como sua figura central, foi uma instituição que ganhou imenso poder e prestígio durante todo o decorrer da Baixa Idade Média. A partir sobretudo do século XIII a figura do rei representou um esforço de centralização que coadunou-se com as grandes mudanças pelas quais passavam os reinos ocidentais.

Inicialmente a figura régia era no campo simbólico um misto de conceitos germânicos, como a idéia de um primus inter pares com um vasto ideal veterotestamentário do rei bíblico. Durante a sua consolidação enquanto vértice de toda a pirâmide social o caráter bíblico foi desconstituindo a idéia feudal de "um igual entre iguais".

Para o fortalecimento desta centralidade o posicionamento do rei enquanto vigário de Deus, representante divino na terra, imago, instrumentum, imitatio dei, foi um discurso amiúde utilizado pelos letrados e pela chancelaria régia na busca de legitimação deste poder, posto que abarcava cada vez mais as funções principais do reino: legislativa, judiciária e executiva ( usando uma terminologia moderna).

Grande parte destes atributos estava nas mãos do nobres, grandes senhores de terras que compartilhavam o poder com o soberano e, em suas vastas propriedades, detinham enorme autonomia. Como o monarca não possuía um exército que prescindisse do apoio das forças nobiliárquicas, este era obrigado a dividir seu poder e a distribuir terras e privilégios entres estes latifundiários.

Ocorre que as transformações no ocidente se direcionavam para uma não acomodação deste esquema atomizado de governo, fortalecendo cada vez mais o anseio por uma força política central capaz de ser um pólo de convergência das diferentes ordens do reino, e futuramente um vetor de unidade nacional.

É neste sentido que as diferentes fontes simbólicas da figura régia serão utilizadas para caracterizar esta posição de centralidade, constituindo um argumento válido na oposição das resistências. Esta simbologia servia tanto a propósitos internos como externos. O rei buscava não apenas consolidar sua soberania sobre os agora súditos, mas também posicionar-se frente às outras monarquias, e mesmo o papa, como independente, com território definido, língua própria e pleno poder sobre seu reino.

No sentido de ser um representante de Deus, o rei prestava contas apenas a este. Suas prerrogativas eram advindas de um mandato outorgado diretamente pela esfera do sagrado. O rei agora é um intermediário privilegiado entre o divino e o terreno possuindo este expediente enorme força simbólica neste imaginário pleno de sacralidade. Naturalmente que esta doutrina levava a outras consequências, posto que se por um lado o rei desfrutava deste lócus poderosíssimo, por outro ser vigário de Deus trazia um grande conjunto de deveres para com os seu governados. Este discurso foi frequentemente utilizado pelos adversários do projeto centralizador.

Se o rei representava a Deus deveria obrigatoriamente reunir as características inerentes ao sagrado. Piedade, justiça, preocupação constante com o "Bem comum", temperança, religiosidade, etc eram atributos necessários para manter a legitimidade régia.

No campo da construção da imagem régia o expediente utilizado fora a busca dos modelos, dos exempla. Estes foram retirados dos antigos reis bíblicos que exerciam esta dicotomia e estavam registrados na Bíblia - com seu enorme poder e credibilidade simbólica, já que era a palavra divina entregue aos humanos para conhecer os desígnios divinos e demonstrava como o povo eleito se comportou nos momentos em que agradou a Deus.

Assim, com o passar dos tempos, o rei foi cada vez mais aceito como um poder realmente superior aos outros. Sua figura humana, com sua inerente precariedade, ia cada vez mais dando lugar ao que era eterno, ou seja ao cargo, a função. Com a formação de um crescente corpo burocrático a monarquia se institucionalizava para além do rei em si. O rei era cada vez mais uma estrutura política. Assim os erros ou a falibilidade de um determinado rei não poderiam ser argumentos suficientes para desacreditar a instituição monárquica.

Na mesma medida que concentrava em si a administração do reino, o rei pode conceber uma estrutura fiscal que lhe dava poder de intervenção sobre os nobres insatisfeitos. A tributação na apenas enriquecia o poder régio, como também apresentava-se como instrumento de coação contra as forças opositoras e descentralizadoras.

Ressaltemos que a passagem da descentralização característica do regime senhorial não foi um movimento de curta duração, muitos menos sem grande embates. Por todo ocidente a monarquia teve que encarar constantemente as intrigas e as tentativas de retomada do poder pelos nobres.

A propaganda política foi uma ferramenta crucial no movimento acima narrado. E aqui entramos em vasto campo de atuação. A monarquia apropriava-se de diversas manifestações simbólicas para fundamentar ideologicamente seu poder. Podemos ver este fenômeno na literatura, no teatro, nas cerimônias régias, nos ritos religiosos, em acordos com categorias sociais emergentes, o beneplácito régio, enfim todo um conjunto de instrumentos utilizados para o fortalecimento do projeto centralizador.

Estes instrumentos formam o modo de exteriorização e consolidação de uma determinada imagem régia. Para implementar ou enaltecer uma imagem específica os reis cada vez mais apropriavam-se daqueles, contratando uma nova mão-de-obra, e mais do que isso, literalmente fundando dentro do palácio régio " repartições" incumbidas destas tarefas. Oficinas, bibliotecas, escolas, teatros, juristas, um enorme séquito responsável por conduzir a opinião pública em direção a um apoio aos projetos régios.

Podemos ver, deste modo, que sobretudo na segunda metade do século XIV e durante todo o XV a monarquia não poupou esforços na busca da sua afirmação como poder soberano e central, adentrando a modernidade como um poder absoluto.